sábado, 29 de novembro de 2008

O Fogo

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Acenderam a luz e se esqueceram de apagar.

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quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Parte Cinco - O Seu Eu

Novamente lhe vinha aquela vontade incontrolável de dormir. Um sono devastador, em meio às lagrimas que não paravam de escorrer em seu rosto.
Sem hesitar, deitou-se em sua cama, e adormeceu num instante.
Acordou no dia seguinte. Lembrava-se de tudo, mas não lembrava de seu sonho. Pensava em não ter sonhado esta noite. Na verdade, dormiu como pedra.
Inquieta, lavou o rosto e, com a mesma roupa que usou para dormir, abriu a porta de casa. E, em cima do tapede de boas-vindas, havia uma carta. Envelopada, sem remetente, com destinatário: Cecília. Cecília, e só.
Fechou a porta, sentou-se no sofá e abriu a carta, ansiosa.

"Querida Cecília,
Sei que gostou da minha resposta, mas sei também que ela lhe pareceu muito estranha. Apesar de já ter entendido, quero que você entenda. Por isto, explico.
Como você já notou, lhe causo terrível sensação quando resolvo aparecer em suas memórias. E não é à toa. Isto ocorre porque você sempre saiu ferida de todos os seus relacionamentos. Todos os homens com os quais você se envolveu fizeram questão de deixar uma marca em você, uma marca profunda. E eu, além de tudo que lhe falei, sou a junção de todas estas marcas.
Sei que outra coisa que lhe incomoda é aquele sonho que teve antes de eu te acordar. Se sou todos os homens, por que surgiram apenas dois? Ora, porque eles foram os que mais marcaram. Você sabe muito bem o que é o primeiro contato sexual na vida de uma mulher, e também o que significa o primeiro amor verdadeiro. E Lucca e Mário representaram estas coisas para você, respectivamente.
Em último, certamente te atormenta o fato de eu te desejar tanto. De eu te seguir, entrar em sua casa, te dar meu número. Beijá-la, e te olhar de um jeito que jamais olhei e hei de olhar a outra mulher.
A justificativa é simples: você marca, marcou e marcará. Todos os homens com quem você se envolve, com quem você se envolveu e com quem vai se envolver.
Por que apareci agora? Porque é o momento. As coisas não têm lógica, Cecília, ao mesmo tempo em que têm. E você sabe muito bem disto.

Um beijo carinhoso do seu eterno eu,
Eu."

Parte Quatro - Cara a Cara

- Aposto que você lembrou do Lucca em seus sonhos - Disse João.
- Como assim? Eu não entendo... Como assim? Você sabe? Não, está blefando... Não é possível! - Gritou Cecília, atordoada.
Um silêncio escuro fez-se depois de seus gritos. Olhavam-se incansavelmente: ela, tentando descobrí-lo, esclarecer suas dúvidas; ele, apreciando-a, e matando as saudades que há muito atormentavam seu peito.
- Quem é você? Como entrou em minha casa? Hein? Me responda! - Gritava.
E ele, no maior silêncio que podia fazer. Olhava-a, e era só isso que fazia, sem cessar.
Beijou-a novamente. Um misto de raiva, inquietação e paixão tomavam conta de Cecília. Ela adorava o que estava acontecendo, ao mesmo tempo em que detestava. Sentia raiva dele, ao mesmo tempo em que o amava. Amava? Ela não sabia muito bem o que sentia por ele. Aliás, quem era ele?
Afastou-se dele, levantou-se da cama e exigiu:
- Me diga, por favor, me diga agora quem você é, e o que faz na minha casa...!
- Eu sou você. E sou todas as suas memórias, e todos os seus homens. Todos os seus casos, suas mágoas. Sei de tudo, e sempre soube. Na verdade, sempre estive com você. E sempre estarei, até quando não mais estiver.
Depois disso, virou as costas e, mais calmo do que nunca, como se tivesse tirado de suas costas o peso de uma cruz, ele foi embora.
Cecília, ainda parada em seu quarto, sem reação, chorava. Porque, poesia pura que sempre foi, achara belas demais as palavras do misterioso homem. E mais misterioso que tudo é o fato de estas palavras serem aquelas que ela sempre sonhara ouvir.

Parte Três - A Invasão

Adormeceu. No sonho, surgiam memórias antigas, que quase já haviam sido apagadas de sua memória. Lembrava-se de seus tempos de colégio, dos meninos, dos professores, dos colegas. Mas duas lembraças lhe eram especiais: um professor e um aluno, músico.
O professor marcou uma época terrível de sua vida. Foi alvo de sua cafajestagem, mas, também, de inocente ela nada tinha. Fez o que pôde para atraí-lo, e conseguiu. No fundo, bem lá no fundo, ainda guardava sentimentos por ele.
O aluno, famoso pelo jeito que tocava, era uma série superior a ela. Conhecidíssimo por tocar em todos os festivais do colégio, por ganhar inúmeros prêmios e por fazer sucesso com as garotas. Muito sucesso. Era alto, moreno, forte. Os dois tinham um certo flerte, nada demais. Flerte que aos poucos foi evoluindo, até chegar ao ponto de se encontrarem às escondidas no condomínio onde ele morava. Lugar repleto pela natureza, aventuravam-se aos montes.
Tudo terminou quando ela teve de ir embora para outro país. Até hoje guardava em si um desejo às vezes incontrolável de encontrar aquele garoto. Ele a completava tão bem... Seus corpos encaixavam perfeitamente, apesar de todas as diferenças.
Entretanto, apesar de todas as memórias, ela não sabia exatamente o que significavam. O que tinham a ver com o homem, e com toda aquela sensação horrível que surgia quando pensava nele.
Sentiu um ar quente soprar em sua orelha, foi descendo, até chegar à cintura... Ela conhecia esse jeito, esse trajeto. De repente, sentiu uma mão acariciar suas costas e subir até seu rosto, aos poucos. Foi quando acordou. Na sua frente, estava aquele homem.
Estática, ela não sabia o que fazer. Sua primeira reação foi um grito, sufocado pela mão morena, que antes a acariciava. Em seguida, João retirou a mão de sua boca, e beijou-a.
Durante três longos minutos, ela sentiu experimentar um gosto já conhecido. Uma textura já conhecia.
Depois do beijo, olhou-a nos olhos. Olhos que também lhe eram conhecidos, não do mercadinho, mas já há muito tempo.
Sua cabeça estava confusa. Como o homem conseguira entrar? De onde veio? Sempre morou ali? E por que, por que diabos tudo o que fazia lhe era tão familiar...?

Parte Dois - A Interrogação

Resolveu se manifestar. Encarando-o, sorriu. Ele retribui com outro sorriso e um aceno. Em seguida, gesticulando com as mãos, chamou-a para ir à sua casa, à sua varanda. Ela não soube o que responder. De repente, como num estalo, veio-lhe ao peito uma sensação sufocadora, tornando sua respiração ofegante e enchendo seus olhos de lágrimas. Saiu correndo de sua janela e foi ao banheiro, onde encarava a si mesma no espelho enquanto jogava água em seu rosto. O sufoco cessou. Agora, depois de tudo passado, tentava procurar em si mesma o motivo do repentino furacão. Quando pensava no homem, concluiu, vinha-lhe uma senação horrível. Flashes de lembranças, muito rápidos, passavam por sua cabeça. Resolveu, então, voltar à janela.
Ele não estava mais lá. Assustada, ela só pensava em dormir, a única vontade que tinha no momento. E tinha também uma certeza: algo entre eles havia ocorrido. Não se conheciam apenas por serem vizinhos de janela...

Parte Um - Olhos Verdes

Ela acordou cedo. Ficou durante uns minutos da cama, pensando se valia a pena ou não levantar-se. O dia seria inevitavelmente mais um mar de problemas, alguns velhos e poucos outros novos. A mesma insatisfação com sua imagem no espelho, os mesmos parentes mórbidos, pessimistas e problemáticos, o mesmo ar boçal no trabalho, o mesmo transporte lotado. Pensou novamente: se levantasse, deveria ou não sair de casa?
Decidiu, pois, levantar-se. Em passos vagos e lentos dirigiu-se ao banheiro, onde ficou estática durante segundos em frente ao espelho. Pensava: Como chegei a este ponto? onde me destraí? o que me aconteceu? Resolveu parar os devaneios enquanto pegava a escova e a pasta de dente. Escovou-os com o mesmo entusiasmo de todos os dias, enquanto refletia se saía ou não de casa. Lavou o rosto, secou-o e decidiu ficar.
Foi à geladeira, abriu-a e constatou o que constatava sempre: não há nada para comer.
Vestiu qualquer roupa e foi ao mercadinho ao lado de sua casa.
Aparência debilitada, pele ressecada, olheiras enormes. Não atraía muitos olhares, mas, neste dia, um em especial lhe chamou a atenção. Um homem alto, queimado do sol, de grandes olhos verdes e enormes cabelos cacheados, que mais pareciam um black-power. Sorriu. Ela retribuiu o sorriso.
- João Marcos, prazer.
- Cecília. - Sorriu.
- Mora por aqui, Cecília? - Perguntou o homem.
- Sim, aqui do lado. - DIsse, apontando para seu prédio.
O homem, então, escreveu, num pequeno pedaço de papel, seu nome e seu número de telefone.
- Me ligue, qualquer dia desses. Também moro por aqui - Misterioso, sorriu e foi-se embora.
Acatada e com um olhar duvidoso, Cecília pagou as compras e foi para casa. Ao chegar lá, largou-as em qualquer cantou, sentou-se no sofá e, numa mistura de ânimo e desconfiança, ficou olhando durante longos minutos o papel dado pelo homem. Enquanto isso, uma música que lhe era familiar começou a tocar, em algum ligar distante. Um jazz, muito bonito, cantado por uma artista cujo nome lhe fugia no momento. Americana, talvez.
Sentou-se em frente à janela, fechou os olhos e apreciou a música, durante todo o tempo em que tocava. Quando abriu os olhos, teve uma surpresa: João, o homem do mercadinho, encontrava-se na varanda em frente à sua janela. Agora sim, ela pensava, ela sabia conhecê-lo de algum lugar. Aquele rosto, aquela silhueta lhe eram familiar. Só não se lembrava e de onde. Mas pensava já tê-lo visto naquela varanda algumas vezes...

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Tristeza Não Tem Fim

Acho que já escrevi textos demais sobre minha decepção infinita com os seres humanos. Qualquer que seja a relação, sempre saio marcada com uma ferida. Às vezes grande, às vezes pequena. Mas, mesmo que a maioria seja pequena, minúsculas, vão se juntando, e aos poucos formando uma ferida maior. Ferida maior que se junta com as outras, também grandes, e acaba criando uma outra ferida quase - eu disse, quase - maior do que eu.
Às vezes sucumbo, não aguento, desabo sobre mim mesma.
É terrível ter de enfrentar tanta tristeza num corpo só.

Pergunto-me quando enfim encontrarei alguém que não me machuque. Que me acrescente, e só. Que não fique guardada dentro de mim como uma ferida, como um peso. Como algo que dói, sempre que tocado.

(Sigo a vida com a cabeça erguida e trago no corpo feridas que, com o tempo, fingem parar de doer...)

domingo, 23 de novembro de 2008

Libido
















"Deixa eu tirar as jóias do teu colo
Deixa eu colar a boca no teu beijo
Deixa eu entornar o caldo do teu cálice
E passar pelo teu ombro meus dedos
-----------------------[De solidão

Deixa eu curtir a pele,
E pelo dorso entrar como um pirata corço
Neste porto proibído...
Deixa eu tirar dos lábios
A libido e coisas tais
Como fazem os animais
E os amantes, quando perdem os vestidos

Deixa eu te cobrir de plumas
E, tirando uma a uma,
Tirar todos os teus sentidos..."

Libido - Gereba & Cássia Eller

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Ao "homem que presta":

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Quando você vier à terra, por favor, me dê um toque, ok?
Estou esperando.

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Olhos nos Olhos

De início ela não dava tanta importância àquele que causava suspiros em todos os tipos de mulheres. Via-o somente como mais um cumprindo seu dever em meio a tantos outros.
Apesar de simpatizar com seu jeito e notar seu modo diferente de ser, custou um bom tempo para que notasse sua beleza, que para tantas outras já era óbvia.
Seu encanto começou com um olhar. Um olhar, somente. Num momento em que os dois estavam próximos, seus olhos se encontraram. E ela derreteu. Por segundos apenas, mas derreteu. Algo de diferente acontecia, ela pensou, enquanto ele fixava o olhar e ao mesmo tempo o desviava.
Dias se passaram, e seu encanto crescia. Nunca tinha se apegado a um olhar daquele modo. Só sabia pensar nos momentos de encontro, e enquanto estava com ele não fazia outra coisa se não fixar seus olhos nos dele.
Ele, com o tempo, parecia notar todo o jogo. Não era bem um jogo, mas sim uma atmosfera estranha, afrodisíaca. Ele mostrava-se envolvido, chegava perto, olhava fixamente nos olhos dela, freqüentemente. Sorria, sorria lindo, sempre que os olhares se encontravam.
Certa vez, depois de tanto encontro entre os olhares, resolveram não desviá-los e deixá-los fixos. Eis que ocorreu uma atração mútua, repentina, e os dois se aproximaram. Primeiro, enquanto os olhos continuavam fixos uns nos outros, encontraram-se as mãos. Em seguida, os braços. No instante máximo, aquele que precede o esperado há tanto tempo, há a face a face. Os segundos de silêncio. Os pensamentos a mil. E, finalmente, o encontro dos lábios. Ela há tanto tempo sonhava com isso, algo que parecia tão inalcançável. Não conseguia acreditar, mas havia acontecido: seus corpos finalmente e, por fim, se encontravam.