sexta-feira, 25 de julho de 2008

Através do Espelho

Marília pensava na efemeridade das coisas, lembrava do cheiro dele que já havia se misturado com o seu, pegava quase que compulsivamente na lembrança que levava consigo, como se para ela aquilo fosse ele, como se matasse tudo o que ela vinha sentindo e, o mais importante, como se fosse um remédio pr'aquelas horas que não passavam, Lembrava daquela última vez como se fosse mesmo a última, mesmo sabendo que não era, e mais uma vez lhe vinha o efêmero à cabeça: o mundo é efêmero e a realidade é efêmera, Nós somos efêmeros,
Marília: era isto mesmo o que queria? Ou desejava o efêmero?

Decidiu olhar-se no espelho por uns instantes, tentando decifrar a si própria, Se questionava ao mesmo tempo em que desprendia os cabelos e penteava-os com aquela escova que, para ela, equivalia a todo um banho, olhava nos próprios olhos e achava-os incrivelmente parecidos com os dele,
Em meio a devaneios a angústia não lhe saía da cabeça, não sabia o que queria, Ou sabia?

Parou de escovar-se, Guardou na sua caixa branca todo aquele emaranhado confuso de efemeridades e cheiros - só não a sua lembrança cotidiana - , apagou as luzes, deitando sua cabeça no travesseiro sempre tão macio e descansando as pernas como se tudo aquilo fosse eterno, ligou o rádio para ouvir aquelas mesmas músicas de sempre que lhe faziam dormir como anjo, como se esperasse mesmo que aquele momento tão dela e tão dele fossem só deles, como se os dois fossem um só, Na verdade ela o queria ali naquele momento, mas só tinha o cotidiano, os cheiros confundidos e a memória já quase desconsertada de tanto se lembrar daquelas velhas e desgastadas cenas
.

Um comentário:

subliterato disse...

difícil elogiar com palavras outras palavras.. muito bonito, mesmo!