segunda-feira, 8 de outubro de 2012

People are Strange

 Não há em mim dores insuportáveis: há paredes que se estreitam finitamente enquanto o tempo passa; me preenchem dores passadas que, à sua maneira, desabrocham em tempo presente - de uma forma nostálgica e dolorosa.

Sou a criação de mim mesma porque quase sempre andei sozinha. Sou as músicas e artistas que me encantam; sou a melodia e o ritmo de um violão.

Sou milhares em uma. Sou dores minhas e dores alternas; sou um poço de todas as cores e metros de escuridão, com algumas boas pitadas de pimenta baiana. Sou um quadro impressionista sem cores e, ao mesmo tempo, de um surrealismo em preto e branco. Me considero como o fim; mas devo ser o início.

Me falta ser algo que não compreendo por enquanto; me faltam uns pedaços extirpados - talvez pela genética, talvez pelo pretérito - e não me esclareço (e ainda não me esclareci) do que existe em mim.

No entanto - veja bem; preste atenção. Existem uns três pontos crescentes - cujos nomes não me vêm à mente - que, segundo meus profetas particulares, hão de ser talvez um início farto de um fim determinado - ao qual todos todos nós estamos fadados.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Para Lóri

Moça magra-gostosa dos cabelos morenos-louros, coração mole-forte, postura de bailarina no corpo e na vida: quando criança, não tinha ideia do quão importante você iria se tornar para mim. Uma prima linda (pena que é prima...), divertida, gostosa, inteligente, e quase mãe. Só não é minha mãe - e dê graças a Deus por isso.
O menino vai chegar, eu sei que vai - nós duas sabemos. E o que ele será pra você, além de filho? Além de amor incondicional? Ele será novo. E olha só, o novo é o que mais nos surpreende. Seja pro bem ou pro mal. E o amor também. Bom tê-los sempre por perto.
Já que Vsaª Senhoria é muito inteligente, como já mencionado, suponho que você entendeu minha resposta.
Amor é o que não me falta. Amor é o que não nos falta. Jogamos nosso corpo no mundo e somos amor da cabeça aos pés.

Para finalizar, te dedico um pedaço (deveria dedicar o livro inteiro, mas não o tenho comigo) do meu livro favorito: "Uma Aprendizagem" ou "O Livro dos Prazeres", de Clarice, claro - que também é nossa.

"Fora então que Ulisses aparecera casualmente na sua vida. Ele, que
se interessara por Lóri apenas pelo desejo, parecia agora ver como ela
era inalcançável. E mais: não só inalcançável por ele mas por ela
própria e pelo mundo. Ela vivia de um estreitamento no peito: a vida"

Amo você, Lóri.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

A dor e sua agulha

Era uma vez uma dor. Ela morava miúda no meu peito, apertado, e carregava consigo uma minúscula agulha que sempre havia de me espetar o coração. A cada espetada - ai, que dor mesquinha - ela crescia, alimentando-se da tristeza que meu músculo, vermelho e palpitante, levava a bordo.
Bastava te ver - só ver! Que experiência cruel -para que ela, sem misericórdia, se animasse a espetar. E espetava sem dó nem intervalos. Bastava você chegar. E quanto mais o meu coração palpitava, mais ela alfinetava.

Um dia eu, cansada, resolvi falar: há uma dor dentro de mim que não quer sarar. E, curioso - bastou o dizer, bastou que as palavras saíssem da minha boca-,  para a dor pestinha pegar carona e voar, invisível, com o meu desabafo. 

E lá foi ela, não ser para onde... Talvez procurar outro coração, vítima indefesa, para com sua agulha, tão fina e incômoda, deixar o seu amargo traço.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

keep me where the light is

(...)

Melhor: a segurança do sempre, da companhia desinteressada, da presença do amor fraterno. Reconfortante. A certeza de um berço seguro, apesar de cambaleante, onde posso repousar minha cabeça no travesseiro, fofo, e me emaranhar nos lençóis macios. Fechar os olhos e saber que você está para mim como eu estou para você. Sempre.
Agora, sim, talvez eu possa dizer “eu amo você”. Verdadeiramente. E fim.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

embriagar-me até que alguém me esqueça

Exercite-se. Não coma fast-food, só de vez em quando. Deixe crescer o cabelo, faça escova progressiva; vá ao salão toda semana: pés, mãos e sobrancelha; arrume a casa diariamente; durma cedo, acorde cedo. Case-se com um bom homem, tenha um bom status social, engravide. Tenha dois filhos: um menino e uma menina; crie-os conforme manda a cartilha: menina, amélia; menino, machão. Faça com que eles se exercitem, comam fast-food só às vezes, cuidem devidamente de sua aparência e casem-se no futuro; com que ganhem dinheiro e tenham filhos. E que estes filhos, por sua vez, exercitem-se, não comam fast-food, cuidem-se, casem-se, e tenham filhos...

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Herança involuntária


Viu-o, enfardado, segurando uma arma na cintura.
A menina - devo dizer, quase mulher - estava pausada num canto escuro, longe das luzes rarefeitas da cidade. Caminhava a passos curtos e silenciosos. Seus pés, cansados, não distinguiam mais rocha de algodão e suas mãos tampouco sabiam a diferença entre macio e áspero.

Aproximou-se do homem branco, másculo, com olhos de perdão e boca de amargura. Olhou-o nos olhos; pôs sua mão na dele e dirigiu-a aonde repousava a pistola, inquieta. Movendo os lábios como se contasse os segundos, levou-a pesada, preta, robusta e carregada à sua cabeça. Sentiu-a roçando em seus cabelos; fechou os olhos. Encostou, ainda vagarosamente, seus lábios, negros, nos dele, brancos, enquanto, guiando a mão trêmula, branca, pela sua, preta, apertou o gatilho.
Ouviu-se o disparo por todo o bairro. Ensurdecedor, o barulho da pistola revelava uma herança imprevista. Seu último sorriso, eternamente congelado na boca daquele que seria seu assassino involuntário, foi o que restou do sangue - preto - que espirrava numa pele áspera, cruel - branca.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

O homem velho deixa vida e morte para trás

Quando eu era mais novo, tinha problemas de visão. Costumava achar, inclusive, que o mundo cabia nas minhas mãos. Achava eu, certíssimo de mim, que contra o meu poder imaginário ninguém jamais poderia; me achava certo mesmo quando errado, coitado, e via em mim uma virtude que nunca jazia. Não dava o braço a torcer e pensava – desilusão – que, de mim, nada poderia ficar atrás.

Agora vejo, depois de tantos anos passados, o que na minha presunção larguei sem menos nem mais. Desperdicei a sabedoria que em mim foi jogada tantas vezes, ai, achando que o tempo não se findaria jamais. Aquela moça, que atrás de mim veio tantas vezes e tantos anos atrás, agora se faz clara de um jeito que me finda o cais. Arrependimento, amargo, de saber que do amor que um dia me foi depositado eu, sozinho, não posso beber mais.