domingo, 7 de novembro de 2010

Uma Aprendizagem

Não sei se Foi Clarice. Talvez tenham sido os novos ares, que de velhos já têm muito. Ou então o vento, revolto, que me encontra pontualmente e bagunça todos os fios do meu cabelo.

Talvez tenha sido Clarice. Uma esperança repentina que vem tornando tudo mais firme. Ou até mesmo o sol, incômodo, senhor do tempo leve e dos dias azuis. Do meu desejo por noites chuvosas e tardes acinzentadas.

Decerto foi Clarice. A ânsia por novos olhos e uma resposta imediata. A certeza interior que sustenta minha coluna vertebral, tensiona meu pescoço e ergue minha cabeça vida acima.

domingo, 19 de setembro de 2010

"Faz sentido?"

Não faz sentido este mundo. Digo, pode até um dia já ter feito, mas o que me parece é que, com o passar dos séculos, foi-se esquecendo a coesão entre os humanos. Numa época em que é "aceitável" matar-se a facadas, não há por quê esperar coerência, nem tampouco justiça. O que dizer? Se as notícias vêm cruas, inesperadas? Contundentes como facadas. Mas quem sou eu pra dizer como seria senti-las? Resta-me apenas penar por aqueles que as sentem (ou sentiram...) atravessar.

sábado, 4 de setembro de 2010

Abrigo?

A mesma música. O mesmo cheiro de sempre. O mesmo jeito de dirigir, devagar, por aquela cidade que era muito mais dele do que minha.

— César...

— Diga.

— Você tem um coração?

— Sim.

— A quem ele pertence?

Silêncio. Esperei, deixei-me fragmentar e me perdi em seu corpo. Passeei por seu rosto, seus olhos cansados. Seu nariz bem desenhado e levemente côncavo, com narinas tão pequenas... Sua boca, vermelha apesar da cor da pele. Sua barba mal feita.
Desci pela blusa suada, alguns pêlos brancos. Os seus braços morenos e velhos de guerra. Suas mãos, muito mais sábias que as minhas. A sua calça suja de giz. O seu colo, o último botão de sua blusa. A quem, César?

— A mim.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

16:53

Era estranho olhar pra você e não ver nada. Pior: não ter mais a certeza do decorrer do tempo, não me prender firmemente à verdade de que os segundos haveriam de passar. Não havia segundos, só um espaço em branco. E eu não entendo por que você sequer se despediu. Custava avisar? Um último apito, uma luz final que fosse. Nada. Restou-me apenas a infeliz surpresa de encarar o vazio. Inclusive, já sinto falta de seus 4 minutos adiantados. E, ah, com certeza, a saudade vai bater sonora, diariamente, às 16:53...

quinta-feira, 29 de julho de 2010

terça-feira, 22 de junho de 2010

Não me olhe assim. Certamente nos perderíamos se eu levasse tudo adiante.
Não, a culpa não é sua. A culpa não existe, moço, é apenas uma cruz secundária que botaram em nossas costas para sentirmos, supostamente, o peso que um dia Jesus sentiu.
Não, não sou religiosa. É que o final está próximo, e eu não quero me jogar em outro abismo só pela vaidade de sentir o vento me empurrando para cima enquanto caio.
Não há o que dizer, na verdade. Infelizmente não se pode voltar no tempo, e o que já foi feito, foi feito. Bom ter passado por aqui, mais tarde te vejo. Espero que nos encontremos do outro lado.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Rotten Apple

O frio não me incomoda,
Deixo-me levar pela névoa e pelo tremor que toma meu corpo

Há fumaça em meus olhos
Vermelhos, te vêem distante
Mas você não existe.
É sua sombra apodrecida,
Linda e azul

Não existe música, apenas silêncio
A hora da misericórdia ecoa, profunda
Em meus tímpanos

Heroína - suposta salvadora
Penetra em sua veia artística
Não existe falência, mas existe o fim
Triste, obscuro - podre.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Se fosse uma gaúcha...

Se fosse uma gaúcha, né? Bem melhor que uma baiana. Sei lá, esse povo da Bahia, com esse sotaque estranho, tudo preto. Se não é preto, pode acreditar que tem algum fenótipo de preto. E se não tiver fenótipo, tem sangue de preto. O quê? Eu tenho sangue de preto? Claro que não, pô, sou branquinho.
Ah, gente bonita é gente branca. Olho azul, de preferência; pele lisinha, cabelo liso, sabe? Por falar nisso, não entendo porque ela não faz chapinha e deixa aquele cabelo crescer. Coisa de baiano, né? E lá é tão quente. Tem muito axé, você não acha, não? Aquelas praias imundas, cheias de gente preta e pobre. Mas eu não sou racista não, viu? Preconceito passa longe de mim. Coisa feia esse negócio de racismo.
Porque lá o racismo é muito grande, e aqui quase não tem. Ela veio com umas idéias de alienação, capitalismo, marxismo... Não entendi nada, viu? Esse povo da Bahia é tudo doido mesmo! Deve ser o excesso de sol na cabeça. Bonito mesmo é o povo do sul.

...and we die young.


"Eu tenho desprezo total pela Igreja e pela direita. Acho a direita uma coisa tão mesquinha, o poder individual, eles são tão... Eu gosto de viver no coletivo. Sou da esquerda porque tenho muitos amigos, gosto de dividir as coisas, acho superbonito dividir."


"Quero viver num mundo em que todo mundo conviva igual... Não faria parte de um gueto, nunca. Eu não gosto de andar só com preto, só com judeu, só com viado. Eu gosto de viver é com todo mundo junto. É uma experiência que eu tenho de vida."



Cazuza não existiu. Foi um sonho que a gente teve.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Grão de Arroz

Minha cabeça é do tamanho de um grão de arroz. Carrego idéias terceirizadas e distribuídas em massa, bem como manda o meu tempo histórico. Sou um ser determinado apesar de não fazer a mínima idéia do que seja o determinismo, e acho estranho e inaceitável pessoas que não andam na linha que eu, com minha capacidade de reflexão, considero correta.
Gosto muito de filmes americanos com bang bang e crash pum pow, explosões, carros voadores, diálogos mínimos e mulheres gostosas. Não entendo filmes com conteúdo porque conteúdo é algo que não me compreende.
É ano de copa e por isso agora sei que a África é um continente, e a África do Sul, um país. Antes disso eu não sabia. Não que eu não tivesse acesso à informação - eu simplesmente não queria saber, mesmo. Na verdade, eu não quero saber de nada.
Meu gosto por mulheres também segue uma linha de produção. Não só por mulheres, por quase tudo, mesmo: nasci e cresci no Brasil mas não sei o que é música nacional. Gosto de ligar minha TV a cabo naqueles programas de clipes de músicas internacionais - dos Estados Unidos - para assistir a todos eles, e a partir daí meu gosto se assimila.
Ah, quase esqueci de mencionar que esse ano também é ano de eleições. Inicialmente eu não pretendia votar - não porque não tenho idade, e sim porque não tenho interesse. Mas então minha mãe me disse que o José Serra é um cara legal, que a Dilma Roussef é uma comunista assassina e que pôr o governo do país nas mãos dela seria algo extremamente perigoso. Então, apesar de eu não ter a mínima noção do que seja comunismo, decidi votar no Serra. Aliás, qual o partido dele, mesmo?!

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Câmbio, desligo

Faz tempo que deixei de postar como eu costumava. Não é a inspiração que me falta - ela me falta, sim, mas não é só isso: ando mudada. Não à toa, acompanhando os meus impulsos mais inconscientes, resolvi me mudar geograficamente. E eis que a coisa funcionou de forma inversa, pois em meio a tantas adversidades estou aprendendo a me reencontrar.
O processo é lento e difícil. O lugar não ajuda: eu não queria estar aqui, mas é necessário. Me sinto presa numa ilha, não deserta, mas cheia de pessoas e situações às quais não estou acostumada - muitas das quais temo, abomino. É interessante, quase antropológico. Como soltar seus piores medos todos de uma vez e, obedecendo ao ditado, matar um por dia. Me sinto cada vez mais fora dos padrões, mas de um jeito bom. Sabe como é, sempre tive aversão a esses modelos pré-fabricados.
O problema é estar sozinha. Porque apesar de estar acompanhada, estou sozinha. É difícil ser diferente de tudo o que há por aqui, e mais difícil ainda é não se deixar influenciar pelos outros.
Por enquanto, entretanto, a missão vem sendo cumprida com sucesso. Umas crises ali, outras acolá; choro às vezes, e com freqüência meu peito se estreita de saudade. Paradoxalmente, é a saudade que me alimenta e que, mesmo a passos curtos, me faz continuar caminhando.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

condições anormais de temperatura e pressão

Enxugar as lágrimas, não
Deixá-las secar à temperatura ambiente - condições normais de pressão.
Retê-las enquanto possível - ou deixá-las saírem, escuras, e repousar sobre minhas bochechas róseas.

Mas as cores não importam. Não importa a visão - importa o tato.
Apenas o peso das mãos - a pressão - e o fim do pulsar do estômago, afogado em soluços.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Tola e escrava, enfim

Seus olhos eram diferentemente serenos e doces, opostos àqueles que eu costumava encontrar em minhas manhãs ansiosas. Eu os via ávidos, tensos, energéticos. Tinham um quê de juventude fora de hora, uma vontade súbita e lampejante de me possuir.
Lembro-me que me hipnotizavam e eu me sentia muitas vezes a flutuar; sentia-me como se mergulhasse neles. Eu, às vezes despercebidamente, os retribuia com uma fome igualmente incontrolável. Agarrava-me à cadeira numa infeliz tentativa de controle, enquanto seus olhos me fitavam, espertos, e sua boca abria um sorriso discreto e involuntário.

Hoje os vi novamente, calmos. Anciãos e chorosos, pareciam-me alegres, de uma alegria pacífica. Igualmente hipnotizantes. Lembraram-me, por trás da lente dos seus óculos de grau, daquela paixão perturbadora que me assombrou durante um ano e poucos meses. Eram seus olhos que me perseguiam, sempre com uma expressão que eu ao mesmo tempo desejava e evitava. Não era a fome que eu queria ver; queria, neles, encontrar a paixão incerta e celestial que encontrei hoje. Queria estar por trás das lentes da câmera que captou aquele momento; queria, enfim, poder desfrutar do teu olhar, sereno e passional, direcionado a mim.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

(saudade)

"Saudade" era a palavra estampada no pára-lamas do caminhão. Melancólica, sentiu-se estranhamente uma máquina por estar tão próxima dos sentimentos de um automóvel: a saudade também a habitava.
"Tão sozinha", ela pensava. "A saudade, no caminhão, está tão sozinha quanto eu". Podia vê-la vagando por entre as rodas enquanto o bicho-máquina, gigante e escuro, estacionava ainda à sua frente e impedia a passagem. Mas ela sentia-se estranhamente confortável, apesar das lágrimas que escorriam involuntariamente de seus olhos. Estava só, mas não vazia. Como já dissera, feliz ou infelizmente, a saudade a preenchia.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Reticências

"Ela segue. Não mais triste, nem mais feliz. Com os olhos acordados de uma criança que percebe o mundo ao qual, agora, pertence. Por vezes ama, ocasionalmente odeia, uma vez ou outra se entrega à solidão. Mas dá carinho com a mesma intensidade que esquece. Ela está preparada para mudar sua vida para sempre. Ela liberta.
Aos poucos desprende-se de qualquer saudodismo, como uma dançarina que, por uma fração de segundo, se envergonha de seu corpo nu ao retirar mais uma peça de roupa. Mas retira. Peça por peça e ela ali, tal qual é. Nem menos, nem mais. Deixa seu passado atirado ao chão, como as roupas de uma stripper iniciante."


Mônica Estela