quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Parte Um - Olhos Verdes

Ela acordou cedo. Ficou durante uns minutos da cama, pensando se valia a pena ou não levantar-se. O dia seria inevitavelmente mais um mar de problemas, alguns velhos e poucos outros novos. A mesma insatisfação com sua imagem no espelho, os mesmos parentes mórbidos, pessimistas e problemáticos, o mesmo ar boçal no trabalho, o mesmo transporte lotado. Pensou novamente: se levantasse, deveria ou não sair de casa?
Decidiu, pois, levantar-se. Em passos vagos e lentos dirigiu-se ao banheiro, onde ficou estática durante segundos em frente ao espelho. Pensava: Como chegei a este ponto? onde me destraí? o que me aconteceu? Resolveu parar os devaneios enquanto pegava a escova e a pasta de dente. Escovou-os com o mesmo entusiasmo de todos os dias, enquanto refletia se saía ou não de casa. Lavou o rosto, secou-o e decidiu ficar.
Foi à geladeira, abriu-a e constatou o que constatava sempre: não há nada para comer.
Vestiu qualquer roupa e foi ao mercadinho ao lado de sua casa.
Aparência debilitada, pele ressecada, olheiras enormes. Não atraía muitos olhares, mas, neste dia, um em especial lhe chamou a atenção. Um homem alto, queimado do sol, de grandes olhos verdes e enormes cabelos cacheados, que mais pareciam um black-power. Sorriu. Ela retribuiu o sorriso.
- João Marcos, prazer.
- Cecília. - Sorriu.
- Mora por aqui, Cecília? - Perguntou o homem.
- Sim, aqui do lado. - DIsse, apontando para seu prédio.
O homem, então, escreveu, num pequeno pedaço de papel, seu nome e seu número de telefone.
- Me ligue, qualquer dia desses. Também moro por aqui - Misterioso, sorriu e foi-se embora.
Acatada e com um olhar duvidoso, Cecília pagou as compras e foi para casa. Ao chegar lá, largou-as em qualquer cantou, sentou-se no sofá e, numa mistura de ânimo e desconfiança, ficou olhando durante longos minutos o papel dado pelo homem. Enquanto isso, uma música que lhe era familiar começou a tocar, em algum ligar distante. Um jazz, muito bonito, cantado por uma artista cujo nome lhe fugia no momento. Americana, talvez.
Sentou-se em frente à janela, fechou os olhos e apreciou a música, durante todo o tempo em que tocava. Quando abriu os olhos, teve uma surpresa: João, o homem do mercadinho, encontrava-se na varanda em frente à sua janela. Agora sim, ela pensava, ela sabia conhecê-lo de algum lugar. Aquele rosto, aquela silhueta lhe eram familiar. Só não se lembrava e de onde. Mas pensava já tê-lo visto naquela varanda algumas vezes...

Um comentário:

Ceres disse...

"Sorriu. Ela retribuiu o sorriso. "
...

Acredito que fosse melhor não dizer, mas isso me lembrou um pensamento de um Cafa conhecido: "Mulher gosta de pornô com história.".

Não tem muito a ver, só lembrou.

Lembrou uma música também: "No meio de tanta gente chata eu encontrei você", que lembra outras coisas, também, mas vou parar por aqui.

Beijo!